25.12.09
Então é Natal.
Mas agora... agora ninguém faz questão de manter a família unida. Uma porque minha mãe acha que meu pai a abandonou, portanto não é família. Daí minha avó tá com ela e não abre. Meus tios maternos também. Minha ceia foi uma tentativa, um esboço, foi uma fagulha de esperança de um Natal feliz. Mas a cada segundo, eu sabia da verdade, sabia que aquilo não era o Natal que eu amava, eu não sentia nada ao ouvir as músicas, ao ver os enfeites, ao cheirar a comida ou ao receber presentes. Não adiantava, nem se o próprio Papai Noel entrasse na festa e chacoalhasse minha cabeça... nem assim. Para mim, quanto mais cedo acabasse, melhor.
É difícil para ela, é. Mas infelizmente, para mim, a última centelha do Natal reside não na família, mas na tentativa do meu pai em manter a tradição. Eu me sinto uma adolescente revoltada, mas a minha vontade era dormir no dia 23 e acordar só no dia 2 de janeiro. É parte do amadurecimento, dizem. Nenhuma família é perfeita, dizem.
Eu ainda sonho com o Natal dos meus filhos, em que serei eu a responsável pelo clima da festa. Eu não quero descontar neles minha frustração da data, pelo contrário, quero fazer com que tudo seja perfeito, mesmo quando nada favorece a magia.
Essa música não sai da minha cabeça, acho que ela resume o que estou sentindo:
Comes the morning
When I can feel
That there's nothing left to be concealed
Moving on a scene surreal
No, my heart will never
Will never be far from here
Sure as I am breathing
Sure as I'm sad
I'll keep this wisdom in my flesh
I leave here believing more than I had
And there's a reason I'll be
A reason I'll be back
As I walk
The Hemisphere
Got my wish
To up and disappear
I been wounded
I been healed
Now for landing I been
Landing I been cleared
Sure as I'm leaving
Sure as I'm sad
I'll keep this wisdom
In my flesh
I leave here believing
More than I had
This Love has got
No Ceiling
17.12.09
o não óbvio
12.11.09
how can you stay outside? there's a beautiful mess inside.
Sabe aquela pessoa que ilumina o ambiente com apenas um sorriso? Não é fácil achar pessoas assim, a gente pensa que conhece muitas, até que um dia descobre que poucas ocupam este lugar, de seres com luz própria ou, como diz a palavra: estrelas. Yael Naim é sem dúvida uma dessas pessoas, daquelas que a gente quer ser a melhor amiga, casar ou apenas que ela saiba seu nome. Essa cantora francesa, meio israelense, mas que canta em inglês, está na cidade e se apresentou hoje no Sesc Pinheiros. Eu conheci Yael Naim, como muitos, pela música da propaganda do MacBook Air (isso mesmo), mas hoje ela ocupa posição privilegiada no meu hall de cantoras favoritas. Isso porque ela transparece através de sua voz toda a emoção contida em suas palavras, além de ter um timbre único.
O auditório Paulo Autran tem lugares marcados e o meu era na esquina da segunda fileira. A primeira é meio que reservada (lugares vitalícios, talvez), e ninguém sentava ali. Quando Yael subiu ao palco, começou a cantar Far Far, que – e desculpem-me a pieguice – é uma música que foi feita para mim, sem brincadeira. Comecei a chorar imediatamente. Era como se aquele show fosse só meu, se ela estivesse começando tudo aquilo com a letra e melodia que compôs para me definir. Isso nunca aconteceu comigo, eu não estava preparada para aquela voz que foi muito além dos auto-falantes do meu notebook: Far Far inundava cada centímetro daquele lugar, e inundava cada milímetro de mim. Na segunda música, espiei a primeira fileira e notei que o assento bem na frente dela estava vazio. Como é proibido entrar depois que o espetáculo começa, eu sabia que ele continuaria vago até que alguém se esgueirasse até lá. E esse alguém fui eu. Mal pude acreditar. Era como se realmente aquele show fosse feito para mim e, mesmo sabendo da multidão que me seguia, era como se não existissem.
Yael Naim é uma fofa. Cabelos compridos meio sem pentear, um vestido roxo com ar medieval e pantufas de lã com cordões de bolinha. Ela dá pulinhos no ar ao se dirigir ao piano e, antes de começar sua versão (superior) de Toxic, de Britney Spears (sim), ela declara: “esta é uma canção de uma grande amiga minha, ela sempre vai lá em casa para jantar. (pausa) Era uma brincadeira, odeio que eu sempre preciso dizer que é uma brincadeira!”. Antes de New Soul, a música do MacBook, diz: “Esta canção eu escrevi porque antes de chegar em Paris eu achava que era uma alma antiga, vocês sabem, do espiritismo, que diz que as almas vêm e voltam à Terra várias vezes e uma alma antiga sempre volta mais bonita e inteligente. Bom, depois que eu cheguei em Paris, comecei a pensar que não, talvez eu seja uma alma nova afinal, e que esta é a minha primeira vez na Terra (risos)”. E New Soul fala disso, de ser uma pessoa que pode cometer sempre um erro novo, que sempre está aprendendo e que, pra ser sincera, resume a todos nós.
Os músicos que a acompanham são um caso à parte, têm presença de palco incrível e parecem estar em total harmonia entre si. Yael convida o público a interagir e brinca com os instrumentistas; esquece o que ia falar e pede aplausos para o carinha que veio arrumar o seu violão nos ombros; tenta conversar e tocar ao mesmo tempo; imita um guitar hero com um violão mínimo de madeira. Sim, você me diria, todos podem fazer isso, não é novidade. Mas Yael Naim tem toda uma delicadeza espalhafatosa que transforma cada tentativa de agradar em risos e admiração.
No final, no último bis, ela repete New Soul, desta vez com seus músicos lado a lado. Davi, o percursionista, "rouba" a câmera fotográfica de um rapaz da primeira fila e começa a filmar a platéia e os músicos - parecem que estão na sala de casa. Depois disso, uma multidão corre para a frente (pior pra mim) e começa a fotografar loucamente a cantora e sua banda. Eles não se intimidam e, pelo contrário, parecem estar se divertindo mais que todos. Por fim, Yael organiza um coral com o público, pede para que o lado esquerdo cante uma melodia, o centro outra e o direito outra. Depois pede para juntarem. Na última nota, não contente com a desafinação geral, pede: “Não, mais leve, mais bonito”. E assim fazemos. E, com o último acorde de New Soul, eles saem do palco, felizes como crianças. E, como crianças, rimos alto e aplaudimos mais uma vez essa cantora, ou melhor, essa estrela.
ps: assim que eu tiver o link do vídeo que eles fizeram no palco, posto aqui. Já falei com o dono da câmera, ele vai subir no Youtube.
9.11.09
Eu sou uma pivete, uma criança, uma mimada.
Nunca passei necessidade, nunca soube o que é perder.
Eu sou uma piada sem sentido. Sou uma boneca de pano, você pode me arrastar por aí que eu não ligo.
Nuca fui rejeitada, não sei o que é a tristeza.
Sou a pessoa errada para o resto dos seus dias. Não queira envelhecer ao meu lado.
Sou uma bela pintura, uma bela monalisa emparedada.
(Conclusões extraídas de um ano para cá)
29.10.09
tragédias e comédias.
Se você parar um minuto, vai descobrir. Mas é o seguinte: as comédias e as tragédias não são a essência de nossa vida, mas digamos, são seus ápices opostos. A comédia é o ápice da felicidade, o rir desenfreado, o não se preocupar com nada além do que se vê. A tragédia, o ápice da loucura de nossas desgraças, aparece sem avisar e nos joga para baixo como uma batida de caminhão.
Sobrevivemos às comédias e, principalmente, sobrevivemos às tragédias. É isso que nos faz humanos, sempre aprendendo, sempre crescendo e toda aquela ladainha que a gente lê nos livros de auto-ajuda e nos powerpoints que nossos parentes nos enviam.
Mas é um saco. É um saco quando a gente vê que a tragédia está próxima. Se você for vidente já está acostumado, mas se não... é um saco. O pior é quando ela pode ser evitada, mas você não pode fazer nada a não ser esperar que aconteça. Momentos de bravura, como os do Mel Gibson ou do Bruce Willis, quando se jogam na frente da bala ou detonam o dispositivo explosivo em um asteróide... quem realmente se arrisca dessa forma? À estas pessoas construimos estátuas e nomeamos ruas, mas daí morremos todos e ninguém se lembra de quem foram nossos heróis, além dos pombos ou do Google.
Eu não sei por que comecei este post. Mas valeu pela reflexão.
19.10.09
15.10.09
equívoco linguístico.
se a parte pelo todo e o todo pela parte,
ela provavelmente esqueceu da parte que sem parte não é todo,
do todo que sem parte não é nada,
da parte que espera a parte que falta para ser todo,
do todo que é pálido sem a parte.
12.10.09
Não é necessariamente bom ou ruim. Não é excitante ou desestimulante.
É mais um estar suspenso, como uma bolha de sabão.
É como estar a vinte dias do Natal e não saber se o Papai Noel recebeu a cartinha. Melhor, é estar a vinte dias do Natal e não saber o que pedir. Não saber se você foi ou não uma boa menina, ou apenas escrever para o velho: "olha, veja aí nos seus registros, não sei se fui uma boa menina este ano, prefiro que o senhor mesmo resolva isso e traga o que for conveniente".
Mas também não é isso, não quero infligir meu destino nas mãos de outra pessoa, por mais tentadora que seja a sensação de irresponsabilidade.
Como disse, não sei. Qualquer pré-julgamento seria um equívoco. É um sentimento novo, sem precedentes e assustador na medida em que é inédito.
O que resta é o dia após dia. Quem sabe o não esperar seja o melhor caminho?
8.10.09
hoje não é o melhor dia.
hoje não é o melhor dia para tirar fotos.
hoje não é o melhor dia para declarar seu amor.
hoje não é o melhor dia para estreiar uma roupa.
hoje não é o melhor dia para contar piadas.
hoje não é o melhor dia para terminar um namoro.
hoje não é o melhor dia para ir ao cinema.
hoje não é o melhor dia para começar uma dieta.
hoje não é o melhor dia para cortar o cabelo.
hoje não é o melhor dia para andar na rua.
hoje não é o melhor dia para fazer planos.
hoje é o dia do nada.
as pessoas deveriam se trancar em suas casas.
ninguém deveria fazer esforço.
nem esforçar-se em nada.
o governo deveria impor o trancafiamento.
e quem desobedecesse deveria ser alvejado por balas.
para que todos aprendam de uma vez por todas:
hoje não é o melhor dia para nada.
(later addendum: mas hoje vale para ler http://1000awesomethings.com/, debaixo das cobertas)
1.10.09
um ano.
depois de um ano, não há o caio. na verdade, não há nada muito certo desde que houve o caio. há só a constante espera por algo realmente significativo, que justifique todos os nãos, todas baladas frustradas, todas as lágrimas, todas as páginas rabiscadas do meu diário e quem sabe, toda a minha vida. eu não fiz o curso abril. agora eu trabalho lá. malahide ainda é um sonho e blueberry muffin é apenas um doce do starbucks. mas há a paz, há o amor e a excitação. há o inebriante amanhã, onde nada é certo, apenas é certo este sentimento que transborda de meu peito, esse ser fiel comigo mesma, esse pulsar enlouquecido, essa espera apaixonante, esse querer agarrar o mundo com as mãos e nunca deixar de ser quem sou. eu não sei como será amanhã. só espero, esperançosa, para que seja o meu.
26.9.09
sem palavras.
não as encontro.
estou sem óculos.
onde estão as palavras?
eu preciso delas!
preciso para descrever isso tudo.
mas elas estão no chão.
deixe-as lá.
quem precisa de palavras,
quando se tem o impronunciável, o indiscritível?
23.9.09
boa noite, paulo.
Os alunos se levantam e saem da sala.
"Eu devia ter dito alguma coisa sobre Manuel Bandeira. Eles sempre gostam de ouvir sobre o porquinho da índia".
Paulo destrava seu carro, estacionado na frente da lanchonete da Dona Cleide. Trânsito. Alfa FM... ah, que delícia ouvir Alfa FM.
Chega em seu prédio, elevador, apartamento. Acende as luzes da sala. Olha ao redor.
Tudo está no lugar. Os muitos livros catalogados por sobrenome do autor nas diversas estantes vizinhas, o peso de papel - lembrança de Bonito-MS -, o porta-retrato com a foto dela... tudo está no lugar.
Ele deixa as chaves em cima da mesinha de canto, tira o paletó e coloca sobre a cadeira, senta no sofá e liga a tv. Nada a se ver.
Desliga a tv, pega um livro na estante. "O velho e bom Dostoievski". Lê umas vinte páginas, pisca mais demoradamente umas duas vezes e não pensa duas vezes: hora de dormir.
Mais um dia acaba para Paulo, que acerta o despertador para às seis da manhã, coloca o pijama e diz boa noite a si mesmo. "Boa noite, Paulo".
20.9.09
mi confesión.
sua boca quente na minha roçando, seu corpo quente no meu se abraçando.
mas quando acordo, lembro-me do que fez. lembro-me do que não quero para mim.
esse você inflado, esse você irado, esse você louco por qualquer droga barata.
depois você me afronta, dessa vez publicamente, olhando diretamente para mim, no meu parque, com as pessoas que tanto amei quando as registrei.
você me olha e diz: veja aqui, sua anônima tentativa para mim resultou na capa do jornal.
mas essa afronta, parece que ela é apenas para mim.
saia de frente de mim, saia de meus sonhos, não quero sua boca quente, não quero suas drogas, não quero sua loucura.
queria você anônimo, queria você pequeno, queria você rendido, queria você só para mim.
mas saia.
16.9.09
é assim que imagino vocês dois. (ou imagino nós dois, se você fosse meu).
Ela chega às nove, como todo dia o faz.
Ele bota uma música do tim maia pra tocar.
Ela esquenta a barriga no fogão.
Ele chega por trás e dá um beijo em sua nuca.
Ela se arrepia toda e capricha no arroz.
Ele dança arrastando os pés no chão da cozinha.
Ela ri alto e se vira para dançar.
Ele esquece que o salário não cobre as contas.
Ela esquece do trânsito.
Eles dançam.
O arroz queima.
Eles não se importam.
neo.
Um castelo, uma prisão, um parque de diversões.
A vida é feita de caminhos, isso eu sempre digo.
A estrada que tomei surgiu de repente e chamou: venha.
Faça sua vida, menina, era o que me diziam.
Você é importante para nós, mas nada podemos fazer.
Se quer crescer, siga seus impulsos mais secretos.
Há tanta mediocridade na vida. Amor não podem ser uma delas.
(Isso eu vi em um filme.)
3.9.09
jogados.
Bicicleta molhada e pato de borracha combinam bem com conhaque e abacaxi.
Comida indiana você encontra na padaria.
Cabelo jogado de lado.
Saia de casa menina, saia, vá ver o sol.
Quer saber quantos anos eu tenho? Olhe para minhas rugas. Quantos você me dá?
Nunca subestime uma tartaruga.
Pedrinha amarela de aquário. Pedrinha azul, pedrinha roxa, pedrinha suja e sem cor.
Deixa isso aí! Vem pra cá logo.
Vai perder a sessão.
Mas moço, eu não tenho pé.
Então volte para casa de butantã-usp.
16.8.09
9.8.09
breaking dawn.
No amanhecer eu não existo.
Eu apenas observo a vida dos outros diante de mim.
O amanhecer é mágico. Mágico da forma que gostaríamos que a realidade fosse.
Mas é a normalidade que reside além do amanhecer.
Por isso eu me refugio.
Escondo-me em suas entranhas.
Busco abrigo no simples ato de não participar.
No amanhecer, os problemas não são os meus.
No amanhecer é onde quero morar.
7.8.09
a teoria.
qual o propósito da rodinha em que os ratos adoram correr? pois bem, também não sei. mas sei que minha terapeuta disse isso esses dias, que os ratos de laboratório correm naquela rodinha porque não têm noção de que aquilo não leva à lugar nenhum. eles acham que vão escapar uma hora, então é natural que na ânsia de ganhar liberdade, eles acelerem os passinhos miúdos, mas não saiam do lugar.
já o ratinho normal é aquele vagabundo, sujo e comedor de porcarias. mas ele não está num círculo vicioso, corre pelo mundo livremente, fugindo apenas de uma eventual vassourada.
pode ser que eu caia no "quem mexeu no meu queijo", mas a real é que um ratinho de laboratório não pode casar com um rato normal. eles têm visões de mundo diferentes e suas realidades são moldadas de acordo com tais visões.
no entanto, há esperanças. o ratinho malandro, aquele dos lixos e esgotos, pode muito bem empurrar o rato branquinho e aristocrata de sua rodinha, ou este último pode convencer o vagabundo de que vida de gaiola é super.
mãe, eu tenho a resposta para aquela pergunta de dezesseis anos atrás: eles podem sim, contanto que estejam correndo para a mesma direção.
5.8.09
4.8.09
prazeres Dalila.
Cantar desafinada e de propósito.
Andar descalça na grama úmida.
Ver como as bolinhas de gude parecem esconder um universo dentro delas.
Guarda-chuvinhas de chocolate.
Ver casais se beijarem na rua e sentir nojo.
O cheiro do cabelo de sua mãe.
Falar uma palavra diversas vezes até ela perder o significado.
Dalila não gosta de:
Fanta Uva.
Quando olham torto para ela na rua.
Novela.
Zumbido de mosquito.
Dançar de barriga cheia.
Acordar tarde.
Sentir que o resto do mundo não acha dela grande coisa.
3.8.09
ilusão
Trecho de "Na Natureza Selvagem" de Jon Krakauer.
27.7.09
a grande vingança.
Cinco da tarde. Escritório central do FBI.
"Interceptamos uma ligação entre nosso suspeito e os possíveis compradores da arma" disse Smith. "Temos duas horas. Sanderson e Mcmillan. Quero que cerquem a ala leste do edifício. O'Brian e Chapman. Vocês dois aguardarão no acesso norte. Christopher, você dá cobertura para O'Brian e Chapman. Ao meu sinal, quero que avancem."
O olhar de Smith parecia concentrado em um ponto da parede no final da sala.
"Vocês precisam ter o máximo de cuidado" continuou Smith. "Um grama desta arma é capaz de transformar a Times Square em poeira. Não sabemos ao certo qual o grau de loucura do Dr. Heinz, portanto não sabemos do que ele será capaz de fazer quando nos vir. Precisamos ser rápidos e cirúrgicos. Entendido?"
"Capitão?" Renzi levantou a mão.
"Sim, agente Renzi?"
"Com todo respeito, mas o mundo estará a um fio de ser destruído naquele edifício e eu ficarei aqui, sentada, esperando tudo acabar?"
"Agente Renzi, nós sabemos muito bem que você não é apta para o serviço. Fique aqui e analise essa pilha de documentos do imposto de renda."
"Mas capitão Smith, eu sou tão competente quanto qualquer um dos outros agentes desta companhia. Eu descobri a fórmula X e acredito que sou tão ou mais apta que meus colegas para lidar com esta arma."
"Descobrir a fórmula X foi mero acaso. Agora volte para a sua sala e prepare uns muffins para nossos companheiros. O meu de blueberry, por favor."
"Senhor! Eu não aceitarei tal tratamento! Eu estou nesta companhia há 23 anos, dedico minha vida ao FBI e até hoje ninguém me deu a chance de sair a campo e enfrentar um inimigo de verdade! Estou farta de ser esquecida, subjulgada e desprezada!"
Neste momento, Renzi começou a se curvar furiosamente e todos seus companheiros se assustaram com o que veio depois. A agente havia se transformado em um grande monstro de muffin de blueberry e começou a urrar palavras de ódio.
"VENHA CAPITÃO, AQUI ESTÁ SEU MUFFIN! GRRRRRAAAAAAAUUUU".
E assim a agente Renzi exterminou seus companheiros de trabalho e foi contratada pela produtora japonesa YHDG, onde hoje faz sucesso com a criançada em um canal da televisão local.
25.7.09
irmãs.
Já diziam as Moiras.
Um fio tão frágil quanto a própria vida.
Para onde vamos quando é rompido?
Para onde corremos?
.
.
.
22.7.09
parece que fala de mim.
Trecho de Na Natureza Selvagem, de Jon Krakauer.
21.7.09
dilema.
"não, não."
"eu te seguro, confie em mim."
"eu tenho medo de cair. tenho medo que seus braços não aguentem o peso do meu corpo, ou que você se esquive no momento da queda."
"eu já disse que nada disso vai acontecer. eu nunca te deixaria cair."
"mas..."
"o quê?"
"por que descer? eu gosto daqui. a vista é muito bonita."
"porque você mesmo disse que não gosta daí de cima. venha, eu te seguro."
"mas se eu descer, nunca mais poderei ver este lado da vila."
"você não pode ter os dois. mas se você acha que observar daí de cima o lado em que estou é o mesmo que viver aqui, eu digo que está enganado."
"e se eu quiser voltar?"
"você volta. não é uma viagem apenas de ida. você volta se quiser."
"você ficaria triste?"
"sim, mas eu ficaria mais triste se você nunca descer, porque daí eu nunca terei a chance de te fazer feliz aqui embaixo. e você nunca saberá se teria sido mais feliz aqui."
19.7.09
está escrito.
Em cada um deles, uma única letra.
Todos bem fechadinhos, com cuidado, dobrados em três.
Durante toda a noite ficarão onde estão a menos que uma gota de chuva, um passarinho ou uma folha os faça dançar, para depois voltarem à inércia de antes.
E, por algum motivo, um destes pedacinhos de papel será mais esperto que os outros e revelará a letra nele contida. Ele se abrirá lentamente no decorrer da madrugada e, pela manhã, estará todo sorriso, triunfante.
A menina nova ao acordar corre para a bacia. E surpresa vê a escolhida pelo orvalho.
Esta será a inicial de seu marido e ela nunca mais esquecerá da letra que contém seu destino.
17.7.09
reflexão sobre a modernidade.
13.7.09
piration time.
enquanto eu tentava cortar um pedaço de frango congelado, obviamente com a faca errada e da maneira errada, um túnel espaço-temporal abriu-se na minha mente e eu comecei a pensar: estou congelando meus dedos neste frango só porque eu quero economizar cem reais no fim do mês com o almoço incrivelmente barato para os moldes paulistanos porque eu acho que fazendo isso eu conseguirei juntar mais dinheiro para viajar daqui dois anos. mas, por que estou fazendo isso se nem sei o que me acontecerá amanhã e me privo estupidamente dos prazeres da vida agora em vista de um futuro incerto?
sim, não há resposta. é tudo um jogo de apostas.
e, como em toda aposta, a sorte pode ser favorável. afinal, qual é a diferença entre um ex-gari que virou milionário porque investiu no ramo das batatas roxas no final do séc 19 e um gari que morreu sendo gari? inteligência, jogo de cintura, sorte?
olhe a sua volta. quantos caminhos a serem percorridos! quantos entroncamentos, desvios, buracos e retornos. acredito que nós nunca saberemos se o caminho que resolvemos tomar foi o melhor, o mais apropriado, o menos arriscado.
se eu pudesse dizer alguma frase de efeito para acabar este texto e que fizesse sentido, eu diria que o importante é perceber que todo volante é feito para girar as rodas, e que quase toda estrada é contornável.
hum, valeu?
addendum (14.07.09): acabei de ler isso em American Gods, do Neil Gaiman, e acho que tem a ver.
"'What path should I take?' he asked. 'Which one is safe?'
'Take one, and you cannot take the other,' she said. 'But neither path is safe. Which way would you walk - the way of hard truths or the way of fine lies?'"
6.7.09
back.
Mas eu tinha um primo da minha idade, o Leandro. No Natal, era pura diversão. Um parente sempre se vestia de Papai Noel e, meia noite, ele descia as escadas da casa da minha avó paterna tocando um sininho. Depois, sentava na sala e tirava vários presentes do saco, a maioria endereçados aos caçulas, o Leandro e eu.
A gente acreditava e tudo. Até que um dia, eu vi meu tio subindo as escadas para se trocar e corri pro Leandro: "O Papai Noel é o tio Ciro!". Mesmo assim, curtíamos a brincadeira, até porque era óbvio que o verdadeiro Papai Noel existia. Tanto que outro passatempo era ficar no jardim olhando pro céu e buscando o trenó dele.
Ontem eu encontrei o Leandro na festa junina da família do meu pai. A gente pouco se vê, então foi como voltar uns 15 anos no tempo. Ele citou quando descobrimos a verdade por trás do Papai Noel, mas não lembrava de ficar procurando o trenó no céu. "Nossa, você ativou uma parte da minha memória que eu não usava há muito tempo!", disse. "É, estamos velhos" complementei.
Entre tantos problemas adultos, disputas, depressão, brigas e rancor que rodeiam minha visão de família e de terra natal, esta conversa com meu primo foi um momento mágico, em que eu não tinha mais 23 anos, mas 6, e eu acabara de descobrir que o Papai Noel que descia as escadas era meu tio e então corria para o jardim da casa da minha vó olhar o céu. De repente, tudo a minha volta era quente e colorido, a Xuxa cantava na tevê e meus primos conversavam sobre New Kids on the Block. Minha mãe abraçava meu pai e dava bronca nos meus irmãos por estarem comendo antes da hora. Minha avó passava por mim e sorria carinhosamente, perguntando se eu estava ansiosa. E eu rodava minha saia de lambada, animada pelas próximas horas.
Era Natal, e quem se preocupava com o futuro? Nós estávamos imersos para sempre naquela redoma de felicidade e ninguém ousaria pensar que algo um dia seria diferente.
3.7.09
sobre.
Meus textos são cuspidos.
São partes de um momento.
São fragmentos de um lampejo inspirador.
Não são definitivos.
Nem ao menos definidos.
São sentimentos condensados, transformados em palavras.
Não os leve muito a sério.
Não os esqueça assim tão fácil.
Pois eles são uma parte de mim.
E uma parte de você.
Eu não os escrevo para você.
Mas você os lê.
Obrigada.
29.6.09
.
O sol que tenta atravessar a copa das árvores.
Um graveto fora do lugar.
Ela cai.
Tenta espanar a terra da saia com a mão. Um pouco fica.
Ele está a poucos metros dali, sentado na beira de um lago.
"Eu caí." diz ela "Estou suja."
"Eu estou sentado na lama."
Risos.
Pausa.
"É certo?" ela pergunta.
"Sim. Desculpe-me"
"Mas não tem como adiar, mudar, sei lá, cancelar este casamento?"
"Não. Não há."
"Como não?! Deve haver um jeito!"
Ele não responde.
"Você não quer."
"Não entendi." Ele diz.
"Você. É você que não quer adiar o casamento!"
"Olhe só, você sabe o quanto eu gosto de Augustine, não seria justo para ela."
"Mas o que importa é você! Nós!"
"Não é bem assim. Nós, eu e Augustine, temos uma história juntos."
"E nós não? Só porque nossa história é mais recente, não quer dizer que não tenhamos uma."
"Diana, isto é muito complicado para mim. Augustine e eu nos damos muito bem."
Ela se afastou.
Ele se curvou.
"Diana. Desculpe-me."
"Tudo bem."
Silêncio.
27.6.09
interpretações.
como se sente hoje?
você está muito bonito(a).
sonhei com uma bola azul.
eu gosto muito de você.
sente ao meu lado.
beatles é legal.
eu não tenho planos com você.
dizem que chinelo virado dá azar.
qual seu homem ideal?
coca-cola ou guaraná?
adoro harry potter.
eu tive um cachorro chamado billy.
oi, desculpa, não te ouvi direito, pode repetir?
25.6.09
clique.
19.6.09
tear.
Ele quer fugir. Mas não sabe para onde. Então desiste da luta inútil.
A dor não cessa, mas é talvez bom ir se acostumando.
Então ele dorme.
17.6.09
o jogo.
Você quer entrar no jogo. Eu sei como jogar.
Não há muitas peças.
Não expor muito minhas cartas, assim evito te presentear com minhas fichas.
O jogo não é simples. Ninguém disse que era simples.
14.6.09
unindo corações.
Eu, acima de toda a humanidade, sorria. Sorriso de trabalho cumprido, de cupido aposentado.
Sim, eu fui o cupido.
And I´m very proud of it.
9.6.09
random.
i do.
quando o tempo é pouco.
e a vida é vida,
o pouco do tempo que nos escapa é lixo.
este é o primeiro em 6.
na verdade tanto faz.
tem gente que tem desde 1950 e não aproveita.
o juca é joia.
mas esse vai ser diferente.
bom ou ruim, ainda não sei.
só quero ficar com as dezessete pessoas.
as dezessete que serão meus seis.
essas dezessete são meus seis.
31.5.09
isn't it great?
Eu sou sempre o centro.
Sou o centro de toda e qualquer alienação.
A protagonista do meu filme.
Não há continuação.
Você pode assistir só uma vez.
Mas em vários tempos.
Eu não restrinjo espectadores.
Venha ver a maravilha que é minha vida.
Sente, pegue uma pipoca e seu óculos 3D.
Você vai se divertir.
Você pode até interagir.
Ao final da sessão, garanto que levará uma lição para casa.
É assim que funciona.
Você assiste meu filme e aprende muito.
Depois conta para os amiguinhos o que viu.
E todos concordam que com certeza é uma grande explicação.
E sua vida continua.
E a minha também.
Você aplicando o que aprendeu comigo.
E eu em alguma prateleira empoeirada, ao lado de Titanic e Scarface.
26.5.09
Dalila #4
Não era tão difícil. Era tudo uma questão de decorar quais linhas significam o quê e dizer palavras que agradem. A pessoa tem uma linha do coração comprida e bem marcada, mas a da vida fraca e apagada? Oh, você terá um grande amor em breve. É tudo uma questão de perspectiva. Ninguém que lê a própria sorte espera receber más notícias.
A mãe de Dalila sempre dizia que antigamente era mais fácil conseguir clientes. Hoje em dia, as pessoas passam apressadas, não confiam em ninguém e muito menos acreditam em papo de vidente. Aliás, a falta de clientela os obriga a fazer o que deles é esperado: migrar de cidade em cidade, sem criar raízes por onde passam e sem deixar rastros de sua existência.
Aquele era um típico dia de verão. Dalila estava longe de seu trailer quando começou a trovejar. Com os primeiros pingos de chuva tocando o solo quente, a garota fugiu para debaixo do toldo de uma loja fechada. Entediada, começou a cantarolar uma melodia inventada e a brincar com seus chinelos. Dez minutos de chuva torrencial e apareceu um homem engravatado, com uma pasta em cima da cabeça, correndo para se refugiar onde Dalila estava. Ele sacudiu o paletó, passou a mão por cima do couro da pasta e verificou as horas em seu relógio. Quando se deu conta da presença da menina, limitou-se a esboçar um meio-sorriso sem graça e a dizer: “que chuva, hein?”. A menina não respondeu. Cinco minutos depois e, sem sinal de melhora no tempo, Dalila disse: “moço, quer que eu leia a sua sorte?”. O rapaz, distraído até então, deu um pulo e perguntou: “oi?”. Ela repetiu a proposta e ele disse: “hum, ok, pode ser”. “É um real”, alertou a menina. Ele concordou e Dalila pediu para que ele estendesse a mão esquerda. O rapaz assim o fez. Pavor. Dalila percebeu horrorizada que o homem não tinha linhas na palma da mão. “Deixa eu ver a outra, moço”. Nada. Nenhuma linha. “Moço, você não tem linhas nas mãos”. “Não? E agora, isso é bom ou ruim?”. “Não sei!”. Silêncio. O rapaz examinou as palmas das mãos e, perplexo, questionou o que havia de errado com ele. A menina olhava assustada para a chuva. “Quê que eu tenho de errado?” perguntou o rapaz. Silêncio. “Moço,” disse ela finalmente “acho que você não tem linhas porque o seu destino não tá escrito”. “Isso é mau?” perguntou ele. “Não. Acho que na verdade, moço, acho que na verdade você tá livre. Não pergunta porquê. Eu não sei. Mas acho que você tá livre”.
A chuva começou a cessar. O homem, sem dizer nada, deu um real para Dalila, que agradeceu. Ele partiu, dez quilos mais pesado do que antes, mas mais leve do que uma pena para o resto da vida. Dalila tentou explicar mais tarde para sua família o que aconteceu na rua. Ninguém acreditou. Depois de um tempo, nem ela mais sabia se tinha vivido aquilo ou não, ou se ela estava precisando de óculos. “Um homem sem destino,” pensava ela “não há sorte maior que essa”.
duas velhinhas.
- Estação Ceasa -
"Meu neto conseguiu um emprego na prefeitura."
(pausa)
"É? Ai que bom."
(pausa)
(pausa)
-Estação Villa Lobos -
"Olha essa goiabeira."
(pausa)
"Lá em casa eu tenho uma que dá muita goiaba."
(pausa)
"Às vezes, tem tanta que quase toca o chão."
(pausa)
- Estação Cidade Universitária -
"Mas e a Mirna?"
(pausa)
"A Mirna se divorciou, você não sabia?"
"Mesmo? Que coisa."
(pausa)
"É."
- Estação Pinheiros -
"Ouvi dizer que o quilo do tomate ficou mais caro."
(pausa)
(pausa)
(pausa)
"Vou indo Dirce. Bom conversar com você."
"Com você também, Ruth."
- Estação Hebraica-Rebouças -
23.5.09
charming.
A princesa admirada pergunta se a dor da queda foi suportável.
Suportável, ele diz, porém dor. Dor, ele diz, porém necessária.
Agora que sua dor se transformou, diz ela, vamos dar uma volta?
Sim, diz ele, mas espero que você não pense que sou um príncipe deselegante ou desequilibrado.
Não pensarei, diz ela. Contanto que você não desista da nossa volta.
21.5.09
delirium.
Uma girafa chega no balcão do hospital e pede.
“Tio, me vê dez reais em bala de iogurte?”
O macaco gira lentamente o baleiro.
“Dez reais, menino? Vou ter que abrir um pacote. Você não quer um pacote fechado?”
A girafa hesita.
“Na verdade, percebemos, cada vez mais, que o entendimento das metas propostas facilita a criação das posturas dos órgãos dirigentes com relação às suas atribuições. Não obstante, a expansão dos mercados mundiais aponta para a melhoria das novas proposições.”
O macaco acena com a cabeça.
“Mas sabe uma coisa que eu nunca entendi? Pra que serve aquele lápis de cor branco?”
“Eu gosto de tinta guache”, responde a girafa.
19.5.09
Vai fermosa, e não segura.
17.5.09
diva.
Frágeis mãos pincelam levemente a bochecha cândida e enrugada e, com carinho, pintam seus lábios de vermelho cereja. Mãos que completam setenta e cinco anos esta noite, e que receberão grande festa depois que o espetáculo terminar.
Desta vez, Carine será ela mesma no palco. O texto sobre sua vida, escrito por seu melhor amigo e diretor, Henri, é aguardado por todos os que lotam a casa. A imprensa está em peso na estreia, assim como gente famosa, amigos e fãs da atriz. Eles se perguntam o que será revelado naquelas linhas, e, principalmente, se seus corações estarão prontos para o que há por vir.
Soa o terceiro sinal. Silêncio.
Corelli entra em cena. É ovacionada. O monólogo começa. Vinte minutos depois, nada de muito excepcional ou chocante. A atriz representa momentos de sua infância pobre no subúrbio de Paris, seu primeiro namorado, seus desejos e anseios. Ouve-se um bocejo no fundo da plateia. Envergonhados, muitos espectadores baixam suas cabeças ou olham repreensivos em busca do grande atrevido.
Final do último ato, a atriz declara: estou morrendo. Em seguida, leva a mão esquerda ao peito e exprime uma feição de dor. A plateia emudece. Finalmente, o grande momento da rainha. Ninguém ousa piscar ou desviar os olhos do palco. Corine cai de joelhos no tablado. O som da queda acentua a emoção. Ainda com a mão no peito, a atriz repete: estou morrendo. Um grito seco foge de sua boca e atravessa todas as almas ali presentes. Carine cai completamente na madeira dura e empoeirada. Ouvem-se soluços. Um segundo depois, irrompe uma salva esmagadora de aplausos e todos se levantam. Bravo! Bravo! Flores são arremessadas ao palco. Por cinco minutos, há êxtase geral. Dez minutos se passam e Carine não se levantou ainda. Nem mesmo se moveu.
O autor então aparece correndo e manda fechar as cortinas. Ele não diz nada, mas sabe que há algo errado. Não era aquele o final que escrevera para a peça. Pede para todos se afastarem e fica muito nervoso ao ver que a cortina ainda está aberta.
Ele toca delidadamente a face de Carine, rígida e fria. Lágrimas escorrem de seu rosto e mancham o blush da rainha dos palcos, morta.
Ninguém ousa pronunciar uma palavra. E, mesmo nos jornais, mesmo na tevê ou na internet, ninguém fala da morte de Carine. É como se o mundo todo tivesse parado o tempo e prendido a respiração, ainda esperando ansiosamente que a majestosa dama se levante do tablado e, gloriosa, termine seu último e mais ousado ato.
12.5.09
le mariage.
O chefe do buffet olha no relógio a cada dois minutos.
Uma rajada de vento faz o toldo levantar levemente.
Ouvem-se risadas ao fundo.
As flores chegam.
Lírios, rosas, tulipas.
Quem é responsável pelo gelo? O gelo chegou! Edna!
Prato, talheres, guardanapo, prato, talheres, guardanapo, prato, talheres...
...
As mãos dele estão suando.
Nos bancos a sua frente, olhos felizes a observar.
Reconhece sua tia, sua avó dá um tchauzinho debaixo de um chapéu old-fashioned azul turquesa.
Há um alvoroço logo ali, e a marcha começa a tocar.
As penas da noiva estão lindas.
O bico refinadamente decorado.
É a pata mais fantástica que já vira na vida.
O rabinho do noivo balança de alegria.
Tem vontade de uivar, de pular na relva e correr atrás de carros.
...
Sim.
Sim.
A noiva quase chora com o geladinho do nariz dele roçando em seus olhinhos fechados.
8.5.09
Dalila #3
Morava numa casa amarela, com um portão cinza e janelinhas brancas.
Tinha um cachorro marrom.
Gostava de roupas bonitas, calça jeans e camisa pólo.
Andava de um jeito engraçado.
Ele era bem bonito.
Dalila não sabia seu nome. Pouco sabia do rapaz que observava todas as manhãs, saindo de casa atrasado, perdido em meio a seus próprios pensamentos.
Ela se sentava do outro lado da rua, seu vestido um pouco mais alinhado que de costume, até tentava pentear o cabelo com as mãos quando ele passava.
E ele só passava. E ela só olhava.
E ele era um rapaz diferente. Dalila não sabia por que se sentia tão atraída.
Um dia ela resolveu atravessar a rua.
Como sempre, ele apareceu apressado, fez carinho no cachorro, procurou no molho de chaves a correta e fechou o portão.
Dalila, num impulso, resolveu arriscar. Aproximou-se do rapaz e disse olá.
Ele virou o rosto para a menina e disse: Desculpa, não tenho nada.
Ele foi embora. Ela chorou.
6.5.09
lentes.
Você olha pra cima e põe.
Segura as pálpebras como se fosse uma pinça.
(Tipo laranja-mecânica?)
Eu faço assim ó.
Joga bastante Renu.
Não. Usa só uma mão.
O lado certo fica bem redondinho.
Olha pra lente e aproxima o dedo.
Tira puxando.
Tira por baixo.
Tira pro lado.
Joga Renu.
Uma hora tem que sair.
3.5.09
sobre a virada.
Eu não ia pra virada. Minha relação com muvuca é um pouco conturbada e eu fico meio perdida em meio a tanta gente. Mas eu também não queria ficar em casa enquanto o maior evento cultural da cidade (quiçá do país) acontecia.
Pois bem. Liguei pro Possa e eles (com a Gabi e a Marcela) estavam indo para um workshop no Centro de Cultura Judaica. Pareceu interessante.
O CCJ parece uma fortaleza no meio do Sumaré. Detector de metais desses de aeroporto e nenhum contato com a bilheteria. Por dentro, um espaço muito bacana, arquitetura moderninha e tal. Foi a primeira vez que um elevador falou comigo, no CCJ. Queríamos visitar a exposição do 1º andar e, quando entramos no elevador, logo depois de eu falar algo sobre a Cabala e a Madonna, uma voz pergunta aonde estamos indo. Sério, foi surreal.
Já de volta ao térreo (sim, conseguimos visitar a exposição), fomos para o nosso workshop de culinária com o chef Bruno Lerner, cujo tema era “Receitas a base de chá”. Que figura esse chef. Muito bem humorado, ele nos mostrava como preparar uma bebida chamada poção do amor, uma sopa de galinha, um peixe assado e um frango defumado, todos, claro, a base de chá. Eu sei que sou bem chata para comida, principalmente em se falando de oriental, então não vale nada dizer que não gostei do frango (muito shoyu) e do peixe. O chá e a sopa estavam bons, mas então é melhor confiar na opinião dos outros, e eles gostaram muito de tudo. Eu realmente acredito neles.
Workshop com Breno Lerner
Depois fomos ao Tolocos da Augusta para, essa sim minha culinária favorita: a mexicana.
A próxima atração do nosso roteiro era Marcelo Camelo na Av. São João à meia-noite. Quando chegamos, o lugar estava até vazio, mas começou a chegar muita gente. Chegava e passava e gritava e vendia. Entra Marcelo Camelo. Obviamente que do alto dos meus 1,60m eu quase nada vi, mas aproveitei para curtir o som, que do Marcelo é quase hipnótico. Muita gente em volta de mim estava lá sem saber por que estava. Tagarelavam sem parar e nem sabiam quem era o cantor. Agora me diz, por que alguém que nem conhece o cara vai pro meio de uma muvuca ferrada pra ficar parado batendo papo? Quem? Pois é, eles.
Abstraindo-me do entorno, pirei quando ele cantou as músicas do espólio dos Los Hermanos, Pois é, Morena e Além do que se vê.
E avisa que é de se entregar o viver.
Show terminado, eis que descemos (com certa dificuldade) a São João em direção ao palco de dança porque a Gabi queria ver um balé francês com umas camas de pé (xis). Às três, voltaríamos ao palco principal, desta vez bem mais longe do povo, para ver o tributo a Tim Maia. Acontece que queríamos sentar. E, para isso, era preciso abandonar o balé das camas e ir para o palco de dança do Anhangabaú, com cadeirinhas. Esperamos lá a próxima apresentação, que seria às 3 (percebe-se que desistimos do Tim Maia). O espetáculo começa com todo mundo da plateia sendo filmado e mostrado em um telão, com tarjas pretas nos olhos. Depois, umas pessoas que mais pareciam uma mistura de Ets com robôs escandinavos começam a se jogar no chão, uma loucura. Não posso dizer muita coisa, pois primeiro nada sei de dança e segundo porque fiz teatro mais nova e eu fazia uns baratos daqueles.
Meus companheiros de virada.
Enfim, uma dança bem louca, o povo pulando e se jogando no chão, uma menina cantando que nem a Enya e tocando uma Gibson, a plateia sendo filmada e eu tentando entender o significado conotativo daquilo tudo. Eram três e meia da manhã e um cachorro entrou em cena. Ah, bonitinho e tal. Depois, um urso de pelúcia gigante é usado pela dançarina com algum propósito transcendental. Vamos embora.
o urso.
Minha virada acaba com uma menina bulinando um urso de pelúcia e eu penso: estou chata demais pra isso?
Resumindo, gostei da culinária, Pois é me levou às alturas, mas a grande quantidade de pessoas, entre elas muitas mijando, vomitando e gritando me fizeram correr dali, com uma lição aprendida: Virada Cultural? Traga seus DVDs e a pipoca, porque só se for aqui em casa.
1.5.09
Atos
Jardim. Noite. Música. Dança.
Jurupinga.
Risadas.
Amnésia.
Ousadia.
Abandono.
Padaria.
Ato 2
Rua. Noite. Buzinas.
Starbucks.
Cinema.
Filme.
Não-filme.
Ponto.
Ato 3
Rua. Noite. Anos 80.
Carro.
Rádio.
Mão.
Rua.
Ato 4
Jardim. Noite. Música.
Conversa.
Bolsas.
Árvore.
Banco.
Ônibus.
Ponto.
Ato 5
Apartamento. Noite. Woody Allen.
Pipoca.
Licor.
Sofá.
Filme.
Licor.
Carona.
Campainha.
Sofá.
Ato 6
Festa. Noite. Música. Dança.
Conversa.
Álcool.
Parede.
Abandono.
Ato 7
Festa. Noite. Música. Dança
Braço.
Mentira.
Ato 8
Festa. Noite. Música. Dança.
Olhos.
Parede.
Red Bull.
Escadas.
Risadas.
Manhã.
Ato 9
Dia. Tarde. Noite.
Descanso.
25.4.09
22.4.09
Dalila #2
"É final de campeonato, sabe? Eles não vão te ouvir."
"É."
"Mas o que você quer? Comida?"
"Hu-hum"
"Toma, não gosto de atum. Minha mulher insiste em fazer de atum, ela sabe que eu não gosto."
Dalila aceitou o sanduíche. O gosto era estranho, parecia estragado, mas ela não podia reclamar.
"Agora vem aqui garota, deixa eu ver essa sua tatuagem."
Ela fingiu não ouvir.
"Vem aqui, sua malagradecida."
Dalila levantou seus olhos para o taxista, que a encarava como um animal encara sua presa. A menina guardou lentamente o sanduíche dentro de uma pequena bolsa improvisada com panos e deu sinal ao primeiro ônibus que passou. Ao subir os degraus, ainda pôde ouvir os xingamentos feios e confusos do homem deixado para trás.
Já no ônibus, Dalila sentou-se nos degraus que acabara de subir, encolhida, braços envolvendo as pernas. E, apoiando o queixo nos joelhos, ela fixou seu olhar no horizonte, ora observando o lusco-fusco que deixava os carros borrados, ora encarando seu próprio rosto, magro e vazio.
19.4.09
Dalila
8.4.09
15 minutos.
mas 15 minutos são como sexta-feita.
15 minutos em que o cérebro desliga.
a gente só pensa nas 17:15 e o que vem depois.
só penso na quinta.
só penso no coelho da páscoa.
adorava a páscoa.
maior encenação.
eu jurava que ele existia.
e me trazia ovos na calada da noite.
hoje meu coelho está drogado e prostituído.
quem me entrega seus ovos é o supermercado.
em sacolas feias.
mas eu gosto deles mesmo assim.
mulheres não recusam chocolate.
17:15 in my mind.
quero esticar as pernas.
e fazer o jantar.
e ouvir o noticiário.
e ir ao cinema.
e cantar no chuveiro.
quase todos os pianistas do mundo não são melhores que o de ontem.
mas todas as ilusões não são menores do que as de ontem.
e são 15 min.
e já foram.
6.4.09
bar.
E então, em meio a risadas e fumaça, ela me diz que ele já está em outra, há assim, há muito tempo. Não sei porque o envolvera em um manto de castidade por dois anos e que nunca pensara que ele podia se apaixonar denovo. Por que isto ficara tão fora de cogitação se era uma coisa tão óbvia? Só sei que depois da grande descoberta meu interesse pela conversa diminuiu a ponto de se tornar uma irritação pela minha ingenuidade.
3.4.09
derreto.
Tão fria que congelou qualquer expectativa de diversão.
29.3.09
7.3.09
a um passo.
Mas uma delas é essa coisa que a gente sente aqui dentro e que nos faz ficar um poquinho mais humanos.
Isso pode acontecer com um livro ou um comercial de tevê. Ou pode acontecer com um seriado americano enlatado.
Não sei qual a força que nos faz emocionados. Só sei que o que acontece aqui dentro é uma sucessão de epifanias, eclodindo como bolinhas de gel, uma atrás da outra, e todas somando-se numa avalanche de aperto no coração, vontade de fazer nossas vidas mais significativas e mais relevantes.
Este momento passa, mas não devia. Ele devia ficar cravado em nós, em cada segundo.
A humanidade deveria fazer de nós humanos. E não de sermos humanos pois temos momentos de humanidade.
3.3.09
televisão com cachorros
Os passageiros de um ônibus distante observam a cena, curiosos. Não é nada que lhes diga respeito, eles nada podem fazer. A realidade é muitas vezes um grande filme que a gente assiste com baldes de pipoca e coca-cola.
25.2.09
carnaval.
Cinco dias viajando dentro de um ônibus, que nesse tempo não foi só um ônibus ou um motor home. Foi uma casa.
Oito pessoas.
Um motorista otimista.
Barranco.
Chuva.
Águas calmas e quentes.
Hematomas.
Patê de atum.
Tic Tac de laranja.
Tinta verde.
Mosquitos.
Caipirinha.
Risos, risadas, espasmos.
Uma vida sem perder a amizade.
16.2.09
replacement
É uma grande ilusão se dar o luxo da exclusividade.
É um luxo se achar único.
É besteira se imaginar inesquecível.
Todos nós somos descartáveis.
Somos de acordo com o que queiram que sejamos.
É doloroso, mas é a verdade.
É a verdade, e é doloroso.
9.2.09
rio
no mesmo dia em que milhares de calouros realizaram o sonho de fazer suas matrículas na usp, eu me senti uma bixete denovo.
sem esperanças, na fila para pesar bananas no supermercado, eis que recebo a notícia pela qual esperei mais de seis meses.
uma vez vi num filme que nossa vida é dividida sempre em antes e depois de determinado acontecimento. digamos então que minha vida tem mais uma divisão: antes e pós telefonema.
se antes dele eu era uma garota triste que segurava um pacote de papel higiênico e algumas bananas, eu era então a garota mais feliz em um raio de dez kilometros segurando o mesmo pacote e as mesmas bananas.
foi a minha fuvest. a minha festa.
dezenas de veteranos invisíveis vieram pintar meu rosto.
meus pais emocionados me felicitaram pelo celular.
e isso tudo na sessão de congelados.
its about to happen.
its already begun.
Receitas
ingredientes: sorvete de flocos, bolinho de queijo e chocolate.
acompanhamento: muito sangue e violência de scarface com toques de sorvete.
para curar depressão:
ingrediente: patinação matutina no ibirapuera.
acompanhamento: gente desconhecida com seus cães divertidos. um toque de mp3.
suor e satisfação.
para curar isolamento:
ingrediente: leitura solitária em um pufe da livraria cultura..
acompanhamento: um livro e pouco dinheiro para resistir às tentações. um guarda-chuva.
variação noturna: cinema com amigo.
acompanhamento: café com filosofia sobre temas profundos e superficiais.
para curar solidão:
ingrediente: playcenter com amigos.
acompanhamento: paciência e perseverança. conselhos de mãe emprestada a dez, nove, oito, sete, oito, nove, dez, onze, dez, nove, oito metros de altura .
5.2.09
A tentação também.
E isso pode não significar absolutamente nada.
Às vezes, as oportunidades fingem aparecer na nossa frente.
Mas todos dizem: Vá, não deixe ela passar!
E se as coisas apenas parecerem favoráveis?
E se na verdade elas estão ali porque é o lugar que deveriam estar e ponto'?
Nessas horas, as aulas do cursinho ressucitam na voz de Alberto Caeiro:
"o único significado oculto das coisas é elas não terem significado oculto nenhum"
Por mais que eu queira ser a reencarnação de um Sherlock Holmes, nem sempre a resposta é elementar. Nem sempre o acaso é destino.
Às vezes, o acaso é apenas o acaso.
25.1.09
sampa
Parada embaixo de um guarda-chuva na frente do ponto de ônibus do Center 3, deixo que a água molhe minhas pernas e lave minhas havaianas. Cheguei atrasada para a festa, mas nada melhor do que comemorar em plena Paulista, junto com mais cerca de cinquenta pessoas que esperam pacientemente sua vez de voltar para casa.
Toda a rua é refletida no asfalto molhado. Os carros, os postes e o painel do Macdonalds. Ao pisar na faria lima, a garoa já se transfomara numa forte rajada de vento e água. Senti a cidade gritar fortemente que aquele era seu dia e que poderia então chorar à vontade, sorrir à vontade.
19.1.09
stuck.
principalmente quando o que se quer é ir em frente.
com os pneus furados.
sem gasolina.
com o motor emperrado.
quase se esquece de quem se é.
quase se esquece de quem quer ser.
aceita qualquer carona por mais que seja de um caminhoneiro sujo.
nunca perde a fé.
parece que precisa continuar a ter fé senão pararia de viver.
olhar em volta e ver que todos caminham.
ver que o mundo segue seu curso e que você está paralisada.
não há graça em ficar para trás.
não há graça alguma ser deixada para trás.
5.1.09
primeiro post de 2009.
cinco dias isolada de qualquer contato com o mundo virtual te jogam pra baixo, depois te sacodem no alto e te cospem na cara.
somos, com certeza, mais do que dependentes dessa vida conectada num cabo de rede.
mas foi bom.
para pensar.
pensar em quanto precisamos de um norte para a vida, ou ficamos desolados.
em como é preciso abrir os olhos.
em não depender de ninguém para ser feliz.
em apreciar os momentos de solidão.
descobri o quão vazia me sinto.
mas o quão cheio de possibilidades vejo o futuro.