26.5.09

Dalila #4

Para Dalila, a leitura de mão não era um dom. Era um sustento. Todas as mulheres de seu povo praticavam esta arte, que teve início em tempos esquecidos, quando, rejeitados pela sociedade e taxados como místicos, os ciganos começaram a tirar proveito da aura mágica que os cercava e difundiram a adivinhação como especialidade da casa.

Não era tão difícil. Era tudo uma questão de decorar quais linhas significam o quê e dizer palavras que agradem. A pessoa tem uma linha do coração comprida e bem marcada, mas a da vida fraca e apagada? Oh, você terá um grande amor em breve. É tudo uma questão de perspectiva. Ninguém que lê a própria sorte espera receber más notícias.

A mãe de Dalila sempre dizia que antigamente era mais fácil conseguir clientes. Hoje em dia, as pessoas passam apressadas, não confiam em ninguém e muito menos acreditam em papo de vidente. Aliás, a falta de clientela os obriga a fazer o que deles é esperado: migrar de cidade em cidade, sem criar raízes por onde passam e sem deixar rastros de sua existência.

Aquele era um típico dia de verão. Dalila estava longe de seu trailer quando começou a trovejar. Com os primeiros pingos de chuva tocando o solo quente, a garota fugiu para debaixo do toldo de uma loja fechada. Entediada, começou a cantarolar uma melodia inventada e a brincar com seus chinelos. Dez minutos de chuva torrencial e apareceu um homem engravatado, com uma pasta em cima da cabeça, correndo para se refugiar onde Dalila estava. Ele sacudiu o paletó, passou a mão por cima do couro da pasta e verificou as horas em seu relógio. Quando se deu conta da presença da menina, limitou-se a esboçar um meio-sorriso sem graça e a dizer: “que chuva, hein?”. A menina não respondeu. Cinco minutos depois e, sem sinal de melhora no tempo, Dalila disse: “moço, quer que eu leia a sua sorte?”. O rapaz, distraído até então, deu um pulo e perguntou: “oi?”. Ela repetiu a proposta e ele disse: “hum, ok, pode ser”. “É um real”, alertou a menina. Ele concordou e Dalila pediu para que ele estendesse a mão esquerda. O rapaz assim o fez. Pavor. Dalila percebeu horrorizada que o homem não tinha linhas na palma da mão. “Deixa eu ver a outra, moço”. Nada. Nenhuma linha. “Moço, você não tem linhas nas mãos”. “Não? E agora, isso é bom ou ruim?”. “Não sei!”. Silêncio. O rapaz examinou as palmas das mãos e, perplexo, questionou o que havia de errado com ele. A menina olhava assustada para a chuva. “Quê que eu tenho de errado?” perguntou o rapaz. Silêncio. “Moço,” disse ela finalmente “acho que você não tem linhas porque o seu destino não tá escrito”. “Isso é mau?” perguntou ele. “Não. Acho que na verdade, moço, acho que na verdade você tá livre. Não pergunta porquê. Eu não sei. Mas acho que você tá livre”.

A chuva começou a cessar. O homem, sem dizer nada, deu um real para Dalila, que agradeceu. Ele partiu, dez quilos mais pesado do que antes, mas mais leve do que uma pena para o resto da vida. Dalila tentou explicar mais tarde para sua família o que aconteceu na rua. Ninguém acreditou. Depois de um tempo, nem ela mais sabia se tinha vivido aquilo ou não, ou se ela estava precisando de óculos. “Um homem sem destino,” pensava ela “não há sorte maior que essa”.

2 comentários:

Roberto Wolvie disse...

Fenomenal.

Oito disse...

Pelo visto, minha super está dando frutos literários...
Se ele não tem linhas na mão, ele não deve fechá-las frequentemente.