29.10.09

tragédias e comédias.

Às vezes eu falo do porquê do título desse blog. No começo, era porque eu fazia teatro e gostava de brincar com o ícone dessa arte. Ah, e tinha o outro motivo, e este permanece até hoje.
Se você parar um minuto, vai descobrir. Mas é o seguinte: as comédias e as tragédias não são a essência de nossa vida, mas digamos, são seus ápices opostos. A comédia é o ápice da felicidade, o rir desenfreado, o não se preocupar com nada além do que se vê. A tragédia, o ápice da loucura de nossas desgraças, aparece sem avisar e nos joga para baixo como uma batida de caminhão.
Sobrevivemos às comédias e, principalmente, sobrevivemos às tragédias. É isso que nos faz humanos, sempre aprendendo, sempre crescendo e toda aquela ladainha que a gente lê nos livros de auto-ajuda e nos powerpoints que nossos parentes nos enviam.
Mas é um saco. É um saco quando a gente vê que a tragédia está próxima. Se você for vidente já está acostumado, mas se não... é um saco. O pior é quando ela pode ser evitada, mas você não pode fazer nada a não ser esperar que aconteça. Momentos de bravura, como os do Mel Gibson ou do Bruce Willis, quando se jogam na frente da bala ou detonam o dispositivo explosivo em um asteróide... quem realmente se arrisca dessa forma? À estas pessoas construimos estátuas e nomeamos ruas, mas daí morremos todos e ninguém se lembra de quem foram nossos heróis, além dos pombos ou do Google.

Eu não sei por que comecei este post. Mas valeu pela reflexão.

19.10.09

O sol quente da manhã queimava de leve suas pálpebras adormecidas. Virou para o lado da cama e esfregou os olhos com a mão. Não precisava acordar cedo, era domingo. Mas não voltou a dormir. Dois minutos depois, estava se espreguiçando e em dois segundos, de pé. O pó dançava no feixe de luz que entrava pela janela. Seus pés preguiçosos seguiram até a cozinha. Abriu a geladeira e pegou o leite. Cheirou a abertura da caixinha e depois serviu um copo. Três colheres de chocolate e tomou tudo num gole só. Foi até a janela da sala e observou a cidade que lentamente tomava ritmo. Deitou no sofá e ligou a tevê. Alguma notícia? Não, não estava lá o que procurava. Como era inútil buscar notícias, desligou a tevê. Foi para o quarto e colocou uma roupa qualquer. Foi para a sala e depois para fora, e chamou o elevador. Desceu e saiu para a rua. Adorava domingos de manhã, a cidade ficava linda em sua solidão ensolarada. Sabia que não encontraria o que procurava na rua também, mas resolveu andar. Era gostoso ver os cachorros vadios a cheirar os postes, ou as crianças e os velhos que vão pra missa. Era bom ouvir o som da cidade sem tantas buzinas. Era bom atravessar a faixa de pedestres e cruzar olhares com estranhos. Ficava imaginando a vida deles, e o que os levava para a rua àquela hora. Queria conversar com eles, saber de suas histórias, mas preferiu imaginar. Gostava de criar roteiros alheios, achava que toda vida daria um livro. Nenhuma história é desprezível, pensava. Passou pela praça com a igreja e se perguntou se entraria para ver a missa. Melhor não e continuou. Os homens placa não estavam lá, eles deviam ter família também, não nasceram de placa nos ombros. Continuou andando, em direção ao rio. Os pombos e os cachorros e o lixo e os bêbados e os ratinhos e os esquecidos. Todos com uma cor linda devido ao sol da manhã. No chão, estavam caídos inúmeros ponteirinhos de relógio. Devem ter deixado cair, mas era engraçado pensar em tantos ponteiros sem utilidade, como se o tempo tivesse parado. E parecia parado mesmo. Neste momento, percebeu que era inútil continuar, ela não encontraria o que procurava nas margens do rio. Não estava em nenhum lugar palpável, ou virtual. E então virou-se e começou sua jornada de volta.

15.10.09

equívoco linguístico.

se a metonímia está certa,
se a parte pelo todo e o todo pela parte,
ela provavelmente esqueceu da parte que sem parte não é todo,
do todo que sem parte não é nada,
da parte que espera a parte que falta para ser todo,
do todo que é pálido sem a parte.

12.10.09

Se me dessem um papel e uma caneta e me pedissem para escrever o sentimento que define o agora, eu o deixaria em branco. Não há o que defina, não há o que se compare.
Não é necessariamente bom ou ruim. Não é excitante ou desestimulante.
É mais um estar suspenso, como uma bolha de sabão.
É como estar a vinte dias do Natal e não saber se o Papai Noel recebeu a cartinha. Melhor, é estar a vinte dias do Natal e não saber o que pedir. Não saber se você foi ou não uma boa menina, ou apenas escrever para o velho: "olha, veja aí nos seus registros, não sei se fui uma boa menina este ano, prefiro que o senhor mesmo resolva isso e traga o que for conveniente".
Mas também não é isso, não quero infligir meu destino nas mãos de outra pessoa, por mais tentadora que seja a sensação de irresponsabilidade.
Como disse, não sei. Qualquer pré-julgamento seria um equívoco. É um sentimento novo, sem precedentes e assustador na medida em que é inédito.
O que resta é o dia após dia. Quem sabe o não esperar seja o melhor caminho?

8.10.09

hoje não é o melhor dia.

hoje não é o melhor dia para comprar uma casa.
hoje não é o melhor dia para tirar fotos.
hoje não é o melhor dia para declarar seu amor.
hoje não é o melhor dia para estreiar uma roupa.
hoje não é o melhor dia para contar piadas.
hoje não é o melhor dia para terminar um namoro.
hoje não é o melhor dia para ir ao cinema.
hoje não é o melhor dia para começar uma dieta.
hoje não é o melhor dia para cortar o cabelo.
hoje não é o melhor dia para andar na rua.
hoje não é o melhor dia para fazer planos.

hoje é o dia do nada.
as pessoas deveriam se trancar em suas casas.
ninguém deveria fazer esforço.
nem esforçar-se em nada.
o governo deveria impor o trancafiamento.
e quem desobedecesse deveria ser alvejado por balas.
para que todos aprendam de uma vez por todas:

hoje não é o melhor dia para nada.

(later addendum: mas hoje vale para ler http://1000awesomethings.com/, debaixo das cobertas)

1.10.09

um ano.

há um ano atrás, havia o caio. estava tudo certo. estava tudo no lugar. eu fazia uma "despedida" no outback só pra reunir meus amigos. malas prontas. comigo, apenas a paz, o amor e a excitação por uma terra nova. eu tinha duas famílias completas. duas mães, dois (três) pais, três irmãos e muito mais. eu queria entrar no curso abril de jornalismo e ser uma fotógrafa da national geographic. estava tudo certo.

depois de um ano, não há o caio. na verdade, não há nada muito certo desde que houve o caio. há só a constante espera por algo realmente significativo, que justifique todos os nãos, todas baladas frustradas, todas as lágrimas, todas as páginas rabiscadas do meu diário e quem sabe, toda a minha vida. eu não fiz o curso abril. agora eu trabalho lá. malahide ainda é um sonho e blueberry muffin é apenas um doce do starbucks. mas há a paz, há o amor e a excitação. há o inebriante amanhã, onde nada é certo, apenas é certo este sentimento que transborda de meu peito, esse ser fiel comigo mesma, esse pulsar enlouquecido, essa espera apaixonante, esse querer agarrar o mundo com as mãos e nunca deixar de ser quem sou. eu não sei como será amanhã. só espero, esperançosa, para que seja o meu.