4.8.08

parte 1.

Acordou. Não lembrava quem era.
Os raios de sol iluminavam o abajur e davam vida à famosa dança do pó que ela gostava tanto aos sete. O relógio vermelho tiquetaqueava.
Não havia sinal de luta no quarto. Checou os braços e as pernas, estavam ok. Levantou-se, não antes de piscar fundo duas vezes, e encaminhou-se para o espelho. O rosto e as costas estavam limpos também. Passou a mão delicadamente atrás da nuca e sentiu pequena dor. "Não mais do que em treze de abril, suponho". Pés descalços a levaram para a sala. Olhou para os lados e localizou a arma em cima do sofá. "Está bem".
Quando criança dançava em cima dos pés do pai. Ele a levava de um lado para outro da cozinha enquanto ouviam Don McLean. O sabor da comida invadia sua boca através do nariz e tinha gosto de domingo. A mãe entrava pela porta e, recostada no batente, ria ao enxugar as mãos do lavar-roupas.
O café amargo do dia anterior, "não, é mais velho", tinha gosto de plástico. Pensou em preparar mais, porém desanimou. Abriu a torneira da pia e encheu um copo. Jogou açucar e bebeu. Não era maravilhoso mas era doce. A falta de glicose transcendia o físico.
Com quinze dera o primeiro beijo. Bolhas coloridas brincavam no ar. Num domingo, na praça, durante a missa. Na missa que deixara de lado para ouvir seu discman. E foi ali, ao lado do coreto, na hora de Laura Pausini, que ele surgiu. "Por que saiu?" perguntou ele. "Porque quero ver a grama e o sol e porque quero vê-los juntos". Beijou-a. Riu. E ela riu olhando para baixo.
Digitou alguns números e aguardou. "Sim, está feito... não, não vi". Ligou a tevê e confirmou "Estou vendo. Melhor ir embora". Desligou o telefone e olhou para o relógio da sala. Pegou a arma do sofá e a limpou em sua blusa.
Já não sabia mais o que era certo ou errado. "Você não pode beber assim, amanhã temos prova". Era realmente feio para um garota encher a cara, e concordou. Já não tinha mais o frescor da ingenuidade em seus atos. Fechou a conta e se retirou da mesa. Olhou para a amiga e a odiou por dois segundos. Mas a outra estava certa. "Vamos embora".
No chão da porta de entrada repousavam as letras de sua mãe. Achou graça da precupação e guardou o papel no bolso. Olhou para o corredor. A vizinha ouvia Don McLean. Quis permanecer ali, imóvel. Seu coração encheu-se de dor e então virou-se. Foi para a janela e se acalmou. O sol brilhava como nunca e tingia de verde as copas das árvores. Quis dançar. No entanto, olhou para os pés, foi até o sofá e guardou a arma na cintura. Fechou a porta e, sentando-se na cadeira ao lado, tapou os ouvidos e fechou os olhos.

2 comentários:

caio paganotti disse...

continua! =D

J. J disse...

Sim. Continue...
Adoro textos que começam secos... Um verbo e ponto.
Thais, fiz outro blog, também ando escrevendo textos... Quando der passe por lá...
http://desenganado.blogspot.com
Beijos