24.3.07

O gato

Clara queria um poodle. Mas no Natal de 95, nos braços de sua mãe, estava um gato. Por exatos 52 milésimos de segundo, as paredes de sua casa ficaram verde-musgo e seu corpo mais pesado do que o de um elefante. Depois disso, abriu um sorriso e disse "adorei".
Enquanto o gato lambia seu pé, Clara pensava em coisas bonitas. Porque na verdade estava triste com aquele gato, queria um poodle, sempre quis um poodle branco. Ela pensava que na verdade não deveria merecer um poodle, ou, melhor, um poodle não a devia merecer. Pensava ainda que o gato se parecia mais com ela, que a mãe com certeza escolhera o melhor para a filha.
No verão de 96, a família de Clara foi para a praia. A menina, já apegada ao gato, insistira para que o levassem. O bicho fora aos poucos incorporado a ela; todos os dias lhe servia leite, fazia carinho e levava para passear. De coleira. Todo mundo achava estranho a mania da garota, mas ela afirmava ser mais legal assim.
As aulas de Clara recomeçaram e ela começou a perceber o quanto aquele gato a incomodava. Ele não era de todo bonito, não tinha pêlos o suficiente, só sabia pular nas coisas e miar agudo. Mas Clara ainda tinha esperanças de se adaptar.
Um dia, durante a aula de história, Carol virou-se para trás e contou a Clara que ganhara um cachorro. Naquele mesmo dia, as duas foram à casa da amiga para ver Spok, um labrador marrom-claro e bobo. Clara ficou quase a tarde inteira brincando com ele; o sol torrava-lhe inteira, mas a menina não se importava.
Ao abrir a porta de casa, Clara avistou o gato. Ele veio para junto de sua perna, mas a menina olhou-o com cara de desgosto. Naquela noite, não jantou direito.
Depois disso, o gato ficou cada vez mais mal cuidado. Clara sempre se esquecia do leite, do carinho e da coleira. Até que um dia o gato saiu de casa sem ela perceber e nunca mais voltou. Talvez tenha morrido, mas Clara chorou apenas por 52 milésimos de segundo.
Na manhã do Natal de 96 Clara acordou com algo gelado tocando seu pé. Era um poodle branco que lhe sorria com a boca aberta. A menina mal pôde acreditar.
De vez em quando ela se perguntava aonde estava o gato. Mas era um pensamento rápido, porque logo depois se lembrava de levar o poodle para passear. De coleira.
No Natal de 2006, o poodle fez dez anos. E, mesmo cheia de trabalhos da faculdade, Clara fez uma festa para ele.
Um dia desses, ela reencontrou Carol na rua. Perguntara-lhe do labrador. Havia doado para um parente. Clara pensou mal de Carol, mas percebeu que na verdade nem todo mundo gostava de cachorros como ela. Percebeu ainda que nem sempre os pais acertam na escolha. Mas não é por falta de amor que fazem isso. É por simples vontade de alegrar, mesmo que façam tristes e cansados seus filhos por algum tempo.

Um comentário:

DenisCamargo disse...

esse tá muito bom.