Eu tenho um diário. Sim, de papel e tudo. Mas não é aquele de adolescência, com "querido diário". É apenas uma outra válvula de escape com, digamos, mais liberdade do que aqui. E eu quase não escrevo nele, mas ontem meu laptop deu uma daquelas "morridas" e, depois de umas duas horas tentando reavivá-lo em vão, desisti e fui para meu quarto. Um fluxo de pensamentos no meu journal e vejo tudo com mais clareza.
Quando eu tinha uns doze anos, eu "amava" um menino da minha sala. Bom, ele não sabia, mas enfim. Durante as férias, que duravam mais ou menos três meses, eu simplesmente ficava sem saber o paradeiro dele. E tudo bem, eu ficava triste mas não desesperada e tratava de curtir as minhas próprias férias.
Agora pense na mesma situação nos dias de hoje. Pense comigo. Três meses? Férias? Ei, Orkut tá aí pra isso, assim como Facebook, Twitter, blogs... É quase impossível não saber o paradeiro de alguém. O ser "online" nunca está desatualizado, nunca está desaparecido.
Eu pensei em tudo isso porque quase tive uma síncope quando meu laptop me impediu de estar na internet. Por mais que não tivesse nada de novo lá, eu precisava ficar online, porque sabe, quem sabe não acontece alguma coisa?
Antigamente, acredito que as pessoas tinham um ritmo de vida mais sólido. Digo sólido como algo que está determinado, onde pensamentos e ações têm lugar definido e espaço suficiente para acontecerem. Hoje, parece que vivemos com dez janelas do firefox abertas o tempo todo. Somos multitarefas e "nulitarefa" porque fazemos muito e não fazemos nada. Com tanta informação pulando em nossos olhos, não nos concentramos em nenhuma.
Agora, voltando às relações humanas. Vamos pensar num casal de namorados. Em 1750, um casal de namorados, quando não estavam juntos, podiam se comunicar através de cartas. Uma carta leva tempo para ser escrita e mais um tempo para ser enviada, recebida e respondida. Todo mundo sabia disso. Então, uma namorada não iria ficar grudada o dia todo na caixa de correio esperando pela carta de seu amado. Ela sabia que cedo ou tarde a carta iria chegar e ela seria avisada de alguma forma.
Em 1970, um casal de namorados podia além da carta, usar o telefone para se comunicar. O telefone fixo precisa de alguns pré-requisitos para conectar duas pessoas. Ele não está em todos os lugares, portanto era preciso ou estar em casa ou em algum local fechado (tirando os orelhões). As duas pessoas envolvidas, por sua vez, precisam estar em locais próprios para conversarem. Todo mundo sabia disso. E, sendo assim, um casal levava uma vida normal até o horário estipulado por ambos para se falarem ao telefone. Não adiantava ligar fora de hora, é possível que a outra pessoa não estivesse, o que era completamente compreensível.
Já em 2009, não há desculpas para se esconder. Um casal de namorados fica se ligando via celular a toda hora. "Onde você está?" "Quem está com você?" "Por que você deixou o celular desligado?". MSN, Gtalk e Skype servem para monitorar a vida online. E Orkut, Flickr, Facebook, Myspace, Twitter, Blip e afins são como indicadores de com quem você anda, "quem é aquela vadia que tá falando com ele" e qual o pé do relacionamento, através do famigerado estado civil. Muitos casais se formam através da internet, mas acredito que mais deles ainda se desmancham graças à desconfiança e bisbilhotagem dos meios eletrônicos do parceiro. Estes são, por fim, uma nova, aprimorada e potencializada mancha de batom no colarinho.
A internet criou uma necessidade. Antes, nós não tínhamos nem ideia do que era ficar na frente de uma caixa com tela brilhante que nos diz tudo sobre tudo e que nos dá praticamente o poder da telepatia, da premonição e da clarividência. Hoje, tente tirar esta caixa da frente de alguém. Gritamos como macacos, ou como bebês privados de suas mamadeiras. Quando nos desconectamos da rede, não nos desconectamos totalmente. É como se todas as linhas invisíveis das operadoras de celulares, das conexões wifi e dos satélites passassem por dentro de nossas cabeças, deixando-nos sempre alertas.
Em um tempo que Google é Deus, somos filhos dos bytes e das conexões wireless.
E não somos melhores.
3 comentários:
Não sei se consciente ou inconscientemente, mas você praticamente utilizou uma das metáforas de um dos maiores sociólogos de nossa época, para quem hoje a vida, o amor, o tempo, o medo, etc. são líquidos... não chegam a tomar forma.
Saímos da fase sólida da modernidade e entramos na modernidade líquida. Legal o post.
É, como diria o velho Marx: "Tudo que é solido desmancha no ar".
Beijos
siiii bauman!
coisas líquidas! é, a gente estuda muito isso tb, talvez eu tenha me influenciado!
Sim, nós somos realmente filhos dos bytes e das conexões... Mas não porque a Internet crie novas necessidades; na verdade, enquanto tecnologia, ela criou um novo ser humano, inaugurando novas maneiras de ver, perceber e se relacionar. Da mesma forma como a carta ou o telefone.
Adorei o post e te sugiro mais um filósofo como interlocutor: Martin Heidegger!
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