26.5.09

duas velhinhas.

Dirce e Ruth estão sentadas no trem que margeia o rio Pinheiros.

- Estação Ceasa -

"Meu neto conseguiu um emprego na prefeitura."
(pausa)
"É? Ai que bom."
(pausa)
(pausa)

-Estação Villa Lobos -

"Olha essa goiabeira."
(pausa)
"Lá em casa eu tenho uma que dá muita goiaba."
(pausa)
"Às vezes, tem tanta que quase toca o chão."
(pausa)

- Estação Cidade Universitária -

"Mas e a Mirna?"
(pausa)
"A Mirna se divorciou, você não sabia?"
"Mesmo? Que coisa."
(pausa)
"É."

- Estação Pinheiros -

"Ouvi dizer que o quilo do tomate ficou mais caro."
(pausa)
(pausa)
(pausa)
"Vou indo Dirce. Bom conversar com você."
"Com você também, Ruth."

- Estação Hebraica-Rebouças -

2 comentários:

David disse...

O Veríssimo disse uma vez que falamos de amenidades pra evitar falarmos da inevitabilidade da morte. Eu acho que faz sentido.
- Que calor, hein? (não vejo razão para seguir vivendo, com tanta injustiça e sofrimento nesse mundo)
- Pois é. Acho que vai chover. (o sofrimento é passageiro perto da eterna escuridão da morte)
- Tá com cara mesmo. (Mais um motivo para deixar de adiar esse momento) Vai ser duro aguentar o trânsito. (prefiro um nada sem fim a um segundo a mais de dor sem sentido)
- Quer uma bolacha? (Quer uma arma?)
- Não, obrigado, acabei de comer. (Não, obrigado. Vou pular daquela ponte.)
- É o meu ônibus. Vou entrar pra sentar daquele lado. Até logo! (É o meu ônibus. Vou me jogar pra ser atropelado. Até logo!)
- Até que veio rápido, seu sortudo. Até mais! (Até que veio rápido, seu sortudo. Descanse em paz!)

Oito disse...

"A comunicação humana é um artifício cuja intenção é nos fazer esquecer a brutal falta de sentido de uma vida condenada à morte". FLUSSER, Vilém. O mundo codificado - por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007. p. 90.