12.6.06

Estou fazendo um trabalho irritante sobre charges relacionadas a trabalho. Tá, é irritante, pois há muita informação e pouca coisa que preste. Mas peguei aqui uma entrevista da Caros Amigos com o Henfil, famoso cartunista, irmão do Betinho, ambos hemofílicos, ambos mortos devido a negligência do Estado. A entrevista é realmemente emocionante, talvez não a use no trabalho, mas posso usá-la na minha vida. Resolvi separar um trecho em que ele fala do consumismo - desse consumo maquinicista - e de como somos livres de discernimento neste ponto.

Henfil, como é que você imagina, hoje, o encontro entre um punk e um hippie da década de 60?

Um encontro entre o shopping e o MacDonald’s. Os dois são produtos fabricados, fabricações de laboratório. Não vejo o menor conteúdo político, social ou econômico nesses dois fenômenos. Eles só existiram porque são inofensivos e portanto interessam, podem ser veiculados pela imprensa, pela televisão... eu já tenho algum tempo de vida pra ter assistido a fenômeno semelhante, como o ator James Dean, de Juventude Transviada – surge um comportamento padrão para que determinados tipos de pessoas possam se enquadrar. Você veja que, de um lado, aqueles que se enquadram como punks usam roupas iguais às de seus idealizadores americanos porque qual é o punk brasileiro, por exemplo? É o trombadinha. Então, o produto estrangeiro veio, os caras adaptam. Agora, nós temos a grande massa que se identifica com um outro modelo que é o do corredor que usa Adidas, esportista, aquelas coisas. Enfim, o que nós temos são fábricas, os criadores se sentam em volta de uma mesa, e a partir do zero criam alguma coisa, fazem o produto e as pessoas vão lá e se enquadram no produto, consomem o produto até que uma nova fábrica tenha no seu departamento de criação uma nova idéia... as pessoas largam aquela e passam a adotar essa. É mais ou menos como se a indústria farmacêutica fizesse o seguinte, e faz: cria o remédio, depois cria a doença.
Até fiz um cartum que é assim: um cientista chegando pro dono do laboratório, falando: “O seu remédio foi aprovado, agora o nosso departamento de marketing está estudando a criação da doença”. É isso que a gente vê por aí. (...) Você veja como de repente a Sony lança o walkman e todo mundo passa a usar o walkman. Bem, resolveram criar a discothèque. Bolaram todo um plano, depois criaram alguns filmes. Aqui no Brasil juntaram alguns compositores, pegaram As Frenéticas e criaram o Dance, Dance sem Parar... veio a Rita Lee e entrou, veio Gil e entrou, veio Caetano e entrou, todo mundo entrou, prepararam e todo mundo saiu dançando, e pra isso precisava um tipo de sapato que era meio de saltinho alto, meia colorida comprida, um tipo de saia, um tipo de bustiê, um tipo de coisa amarrada na cabeça, óculos multicoloridos; e os homens, a camiseta, com os braços de fora, um cintão, um botinão, uma calça superjusta e colorida, enfim, como o Travolta aparecia no filme. E aí todo mundo saiu consumindo isso. E muito dinheiro foi ganho pelos produtores dessa cultura dita universal. Você pode, inclusive, comprar ações dessa cultura, você vai na bolsa de valores e pede: “Eu quero ações dessa nova cultura que vem aí”. Então eles falam: “A nova cultura é Rhodia”. Você compra ações da Rodhia e aí você vê grandes nomes da música, da literatura e do cinema que passam a ser empregados dessa Sociedade Anônima Cultural.

Leia na íntegra:
Entrevista com Henfil - Caros amigos

2 comentários:

Gabriela Lancellotti disse...

eu preciso lembrar de trazer meu livro-coletânea do henfil pra vocês. e se vocês forem ao instituto dele, deve ter alguma coisa ou outra.
bah, eu ainda acho ele fantástico.


beijo!

Rafael Lavor disse...

É, eu sou um produto também. E quem não é? Até que eu me esforço pra não ser ou parecer um, porém já dizia a frase: "If you can't beat them, join them". E é aí que a gente percebe que a mídia é foda.